sábado, 13 de dezembro de 2008

Malditas Memórias

As luzes da cidade passam rápido pela janela do ónibus, ela na verdade nem nota, com os olhos marejados ela olha para fora da janela.

O rosto abatido quase desaparece debaixo dos cabelos negros soltos, o ar condicionado esta ligado, faz tanto frio, e ela nem lembrou de pegar um casaco, se encolhe no banco em sua calça Jean favorita, gostava tanto daquela calça surrada; do lado de fora as luzes parecem borrões diante de seus olhos, a lua brilha lá no alto, minguante. Sente o coração apertado, um no na garganta e as lágrimas escorrem silenciosas pelo seu rosto, ninguém liga, ninguém nota, porque notariam, cada um se preocupando com suas próprias vidas, é assim que deve ser.

O ónibus parou, é o seu destino, ela desse daquela geladeira, o ar lá fora esta mais quente, dentro do ónibus pareciam querer congela-la. A praça mal iluminada, já tinha estado ali, mas boas lembranças não carregava. Ela jogou a mochila nas costas, estava pesada, tinha pego tudo que imaginou que fosse precisar, engraçado, não lembrou do casaco; estava frio lá fora também.

Começa a descer a rua de asfalto velho mal feito e esburacado, calçadas irregulares a fazem andar pela beira da rua, casas bonitas e casas feias e as luzes dos postes não iluminam o suficiente, alguns estão sem luz. E ela anda olhando para a lua.

Foi a lua que começou a faze-la lembrar, lembrou de uma noite, parecia que tinha sido há muito tempo, já era tarde e ele não chegava, não ligava, não dava noticias, quantas vezes faria aquilo? Ele chegou na casa dela na hora de ir embora e brigaram feio, gritos e lágrimas, era o que marcava aquele namoro, nunca estavam bem. Tinha sido seu primeiro e único namorado, por que estava com ele? Não lembrava, claro que era por amor, ou seria obsessão. Mas agora não importa mais, ele é passado, assim como todo o resto.

Então lembrou dos pais, eles nem tentavam ser legais, e ela fazia de tudo para agrada-los! A ultima briga ela lembrava bem, as outras estavam meio confusas, imagens aleatórias das brigas com os pais passam diante de seus olhos. Eram as notas baixas no tempo do colégio, eram os amigos, mesmo que chegasse cedo ainda era tarde, onde estava, não comia mais direito, e se não tinha nada para acusa-la brigavam por causa da hora de dormir ou se ela não tinha jantado. E brigavam o tempo todo, e a envolviam nas suas discussões mesquinhas. E tinha a chantagem emocional também. Diziam que era ela que não os amava! Como poderiam dizer algo assim? E tudo que ela tinha deixado por eles, será que eles achavam mesmo que eram os únicos a fazerem sacrifícios, ela os amava, mas tinha certeza, jamais os entenderia. Verdade mesmo é que acreditava que eles só seriam felizes quando ela não estivesse mais ali.

E os sonhos, deixaria todos para traz? Seria capaz de esquece-los? Ela não sabia, nem tinha certeza do que estava fazendo, era contra tudo que julgava certo. Mas com o que sonhava mesmo, eram sonhos impossíveis, ela nunca os alcançaria, não tinha capacidade, era só uma garota meio sem graça e com problemas. Seus problemas estavam só em sua própria cabeça, disso ela tinha certeza, por isso não contava pra ninguém. Nesse momento ela lembrou de si mesma, sozinha no banheiro do colégio, ela chorava, e dizia para si mesma que tinha que se acalmar, precisava voltar para a aula e depois para casa, não podia voltar para a aula com aquela cara de choro. Porque chorava mesmo? Ela lembrou do motivo, estava escrevendo no intervalo de aulas, alguém pegou o texto e leu, acharam engraçado, mas era para ser triste, riram tanto dela naquele dia, aspirações de escritora, diziam que escrevia mal, que desenhava mal, que não fazia nada direito; e ela saiu da sala em meio a gargalhadas do colegas.

Sem amigos, sem passado que lembrasse com saudade. Nunca teve amigos, sempre foi sozinha. Eles não sentiam falta dela mesmo.

Ela ainda chora, a mochila pesa nas costas, os pés doem muito, devia ter pego outro ténis. Sente fome, já é madrugada, em poucas horas será dia de novo, as pessoas dormem preocupadas com suas vidas, e ela tenta entender como chegou ali. Deu tudo errado, não há mais planos, nem ações por instinto, e ela sente como se não fosse viver mais, tudo que conhecia como vida já tinha sido destruído há muito tempo, pelo menos parece muito tempo para ela, mas pouco importa, sempre tinha odiado aquela vida mesmo, desde criança.

Lembrava como com cinco ou seis anos detestava os amiguinhos e a forma como eles a humilhavam, ela era diferente, sempre foi diferente, encontrou alguns adultos que viam isso naquela época, mas os pais, bom, eles achavam que tinham a filha perfeita, porque tentariam mudar alguma coisa?

As lembranças doíam e ela não consegue lembrar de nada agradável. Sabe que há, tenta se concentrar, em algum lugar existem lembranças boas, mas ela simplesmente não consegue lembrar, e a dor só aumenta, arrancaria o próprio coração se pudesse.

Os pensamentos a estão deixando tonta, rodando como um redemoinho na sua cabeça, o corpo não obedece mais, foi nessa hora que teve vontade de correr, morrer sozinha era melhor do que aquilo, humilhação, essa era a palavra, mas as pernas não obedeceram.

A essa altura já estava na porta da frente. Ainda tinha a chave, aquela maldita chave, devia ter jogado fora quando teve oportunidade, mas não jogou. Abril a porta, os pais dormiam, ela os olhou da entrada do quanto, não pareciam felizes, mas deviam estar, afinal, ela os tinha deixado em paz por algum tempo. Quanto tempo fazia? Não lembrava, algumas semanas talvez.

A coisa ficou difícil mesmo quando o dinheiro acabou, ela ainda tentou pedir, mas ninguém a ajudou, não tinha arrumado emprego e estava dormindo na rua, em uma cidade pequena distante dali; não gostavam dela, simplesmente porque sabiam, ela era uma fugitiva, teria feito algo errado e por isso estava fugindo, não era confiável.

Mudou de cidade, mas então tinha fome, pedia comida, mas não gostava de dar, lembrou de casa, odiava aquele lugar, mas teria comida lá. Isso não a convenceu, uma noite, porem, ela estava na estrada, devia ter parado em uma rodoviária ou coisa assim, mas nem pensou; um homem a atacou, tentou estupra-la, ela conseguiu fugir, correu por horas, nem viu o rosto do homem. Na manhã seguinte encontrou uma delegacia, contou a história e porque estava ali, abatida e faminta ela pediu ajuda para voltar pra casa, os policiais a ajudaram.

Não havia mais lugar para ela. Não havia lugar seguro, a casa era seu inferno psicológico, e o mundo significava fome. A dor aumentava, não queria sua velha vida de volta, também tinha medo da rua agora, ela sabia que não era sempre assim, tinha dado azar, tudo deu errado.

Entrou no seu velho quarto, meio empoeirado, mas tudo estava no mesmo lugar, estranho, ela achava que o teriam transformado em um deposito, mas estava tudo ali, no mesmo lugar.

Foi ate a cozinha e pegou uma panela, colocou no chão, no meio do quarto. Acendeu o fogo dentro dela e jogou lá tudo que tinha sido valioso para ela quando esteve ali; cartas, fotos, bilhetes, entradas de cinema, tudo que ela amava estava queimando agora e seu coração queimava junto, no silencio da madrugada. Agora não importava mais, seria exatamente o que a mandassem ser, sua vida já havia acabado, não havia mais pelo que lutar. Dormiu no chão frio do quarto que tinha abandonado, na manhã seguinte os pais a encontraram morta, simplesmente não acordou, seu coração de tanta vergonha decidiu parar.




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